sábado, 28 de setembro de 2013

GERONTOFIL

Nestes tempos de miséria crescente a que o “eleito”chama retoma, paradoxalmente e como que a dar-lhe razão, os velhos não morrem de fome, mas habitualmente bem fornecidos de adiposidades externas e viscerais, e o seu abdómen de “batráquio”ou em “avental” não é ascite como o dos “esqueletzinhos deÁfrica” mas lipócitos a ressumar bons untos gordos, porque nos “ terceiros mundos ocidentais” é muito mais fácil comer em excesso do que comer bem, e, sem o poder saciante das proteínas, que são caras, é difícil comer pouco. Acresce que actualmente e cá, o verdadeiro pão já é mais caro do que as guloseimas e vem quase sempre enriquecido com substâncias de natureza dúbia, mas indubitavelmente não cerealífera.

  Não é só pelo avantajado do físico, que os nossos gerontes se revelam de boa cepa e de grande resistência. Há muito que os mandantes, que põem e dispõem, dos poderes político e mediático, servis e interesseiros, abriram “a caça ao velho”, e, com mil ardis de vileza crescente, tentam poupar-se, a esta ”despesa inútil da terceira idade”, e encarreira-los para a rampa íngreme, escorregadia e lúgubre, de onde, espontaneamente ou ajudados, se despenhem no vórtice insondável da morte, de que só Lázaro e Cristo  regressaram…

  O ser humano, bem tangido pela verdasca, acossado pelo medo, ou simplesmente perante a perspectiva de ganhar, desencanta dos seus recônditos íntimos, justificações plausíveis para quase todas as vilezas, e as excepções, (nas quais me não incluo), são na minha opinião, tão honrosas quanto escassas. Se assim não fosse, nunca permitiria-mos que esta gentinha que se acolheu à política, alterna na governação e faz de nós parvos, nos continuasse a apascentar, num crescendo avassalador de esbulho.

  Os velhos são assaltados nos seus bens e direitos tirando-se-lhes todos os anos um naco a mais…e fazendo-se-lhes uma campanha dissimulada e torpe, visando uma clivagem hostil de gerações, insinuando-se que são eles, que despojam o país e oneram os descendentes, como se não haver velhos, nos livrasse dos ladrões…ou os velhos tivessem a obrigação de se imolar em prol dos vindouros…

  Claro que é inaceitável, ignóbil e triste que 40% dos nossos jovens vegetem sem emprego, sem perspectivas, sem disponibilidade para criarem família e serem pais, mas não são os velhos os culpados. Estes fizeram o máximo para que os jovens tivessem o curso que eles nunca puderam ter, e são aqui e também eles, vítimas. E se sobrevivem à reforma é porque comeram as passas que o diabo amassou.

  Se de facto urge livrar o país dos velhos, não é pela supressão dos direitos, pelo confisco das reformas, pela imposição de taxas de solidariedade (que discriminam intoleravelmente os velhos) pelo aumento proibitivo das taxas moderadoras, pela reintrodução  de quotas e descontos de que a passagem à reforma (cumprindo o contrato) os isentara, que o conseguem…

 Os velhos resistirão, comendo menos, tomando a medicação só nos meses bons, faltando às consultas, fugindo aos hospitais, o que até pode revelar-se bom para a sua saúde…Se se quer de facto exterminar os velhos convidem-nos em grande número para grandes lancharadas e adicione-se à ementa toxina botulínica, recorra-se a genéricos geronticidas , a vacinas da gripe com vírus vivos,… às ampolazitas de cianeto de potássio de efeito instantâneo, indolor e garantido ou á bordoada na nuca, provada eficaz, já em Niendertal.

  O Testamento Vital a que se previa grande adesão foi um fiasco; de facto só com muita ingenuidade se acreditaria que os mesmos que nos têm amargurado a vida mostrassem tanta preocupação pelo nosso fim.
 Enquanto o senhor Primeiro Ministro, se fica pelas meias tintas medrosas do confisco crescente da reforma aos velhos sem a assunção corajosa de medidas definitivas e eficazes, a morte vai fazendo a sua inexorável  razia   e na minha opinião é quase “pecaminoso”entregar estes cadáveres anafados” à terra que os consuma”; sobretudo à terra inculta dos cemitérios; onde jazam eterna e improdutivamente, ou à voragem dos fornos crematórios de onde ascendam em turbilhões de poluição fumacenta a um céu já tão parco em ozono.

  Dê-se serventia aos velhos mortos (alguns não a tiveram em vida) saponificando-se a sua abundante matéria gorda e por  adição de essências de odores espalhafatosos, tão ao gosto dos novos ricos (classe em proliferação de praga), faça-se um sabonete, o Gerontofil, para uso interno e para exportação…Na minha opinião seria um êxito e uma forma dos velhos entrarem em lares ricos…

  É de uma credulidade excessiva, de pasmar, acreditar-se que quem nos enterrou é que nos vai tirar do buraco.                     

               João Miguel Nunes “Rocha"
  (artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS • Novembro 2013)