Nestes tempos de miséria
crescente a que o “eleito”chama retoma, paradoxalmente e como que a dar-lhe
razão, os velhos não morrem de fome, mas habitualmente bem fornecidos de adiposidades
externas e viscerais, e o seu abdómen de “batráquio”ou em “avental” não é
ascite como o dos “esqueletzinhos deÁfrica” mas lipócitos a ressumar bons untos gordos, porque nos “ terceiros mundos ocidentais”
é muito mais fácil comer em excesso do que comer bem, e, sem o poder saciante
das proteínas, que são caras, é difícil comer pouco. Acresce que actualmente e
cá, o verdadeiro pão já é mais caro do que as guloseimas e vem quase sempre
enriquecido com substâncias de natureza dúbia, mas indubitavelmente não
cerealífera.
Não é só pelo
avantajado do físico, que os nossos gerontes se revelam de boa cepa e de grande resistência. Há muito que os mandantes, que põem e dispõem, dos poderes político
e mediático, servis e interesseiros, abriram “a caça ao velho”, e, com mil
ardis de vileza crescente, tentam poupar-se, a esta ”despesa inútil
da terceira idade”, e encarreira-los para a rampa íngreme, escorregadia e
lúgubre, de onde, espontaneamente ou ajudados, se despenhem no vórtice
insondável da morte, de que só Lázaro e Cristo
regressaram…
O ser humano, bem
tangido pela verdasca, acossado pelo medo, ou simplesmente perante a
perspectiva de ganhar, desencanta dos seus recônditos íntimos, justificações
plausíveis para quase todas as vilezas, e as excepções, (nas quais me não incluo),
são na minha opinião, tão honrosas quanto escassas. Se assim não fosse, nunca
permitiria-mos que esta gentinha que se acolheu à política, alterna na
governação e faz de nós parvos, nos continuasse a apascentar, num crescendo
avassalador de esbulho.
Os velhos são
assaltados nos seus bens e direitos tirando-se-lhes todos os anos um naco a
mais…e fazendo-se-lhes uma campanha dissimulada e torpe, visando uma clivagem
hostil de gerações, insinuando-se que são eles, que despojam o país e oneram os
descendentes, como se não haver velhos, nos livrasse dos ladrões…ou os velhos
tivessem a obrigação de se imolar em prol dos vindouros…
Claro que é
inaceitável, ignóbil e triste que 40% dos nossos jovens vegetem sem emprego,
sem perspectivas, sem disponibilidade para criarem família e serem pais, mas
não são os velhos os culpados. Estes fizeram o máximo para que os jovens
tivessem o curso que eles nunca puderam ter, e são aqui e também eles, vítimas.
E se sobrevivem à reforma é porque comeram as passas que o diabo amassou.
Se de facto urge livrar
o país dos velhos, não é pela supressão dos direitos, pelo confisco das
reformas, pela imposição de taxas de solidariedade (que discriminam
intoleravelmente os velhos) pelo aumento proibitivo das taxas moderadoras, pela
reintrodução de quotas e descontos de
que a passagem à reforma (cumprindo o contrato) os isentara, que o conseguem…
Os velhos resistirão,
comendo menos, tomando a medicação só nos meses bons, faltando às consultas,
fugindo aos hospitais, o que até pode revelar-se bom para a sua saúde…Se se
quer de facto exterminar os velhos convidem-nos em grande número para grandes
lancharadas e adicione-se à ementa toxina botulínica, recorra-se a genéricos
geronticidas , a vacinas da gripe com vírus vivos,… às ampolazitas de cianeto
de potássio de efeito instantâneo, indolor e garantido ou á bordoada na nuca,
provada eficaz, já em Niendertal.
O Testamento Vital a
que se previa grande adesão foi um fiasco; de facto só com muita ingenuidade se
acreditaria que os mesmos que nos têm amargurado a vida mostrassem tanta
preocupação pelo nosso fim.
Enquanto o senhor
Primeiro Ministro, se fica pelas meias tintas medrosas do confisco crescente da
reforma aos velhos sem a assunção corajosa de medidas definitivas e eficazes, a
morte vai fazendo a sua inexorável razia
e
na minha opinião é quase “pecaminoso”entregar estes cadáveres anafados” à terra
que os consuma”; sobretudo à terra inculta dos cemitérios; onde jazam eterna e
improdutivamente, ou à voragem dos fornos crematórios de onde ascendam em
turbilhões de poluição fumacenta a um céu já tão parco em ozono.
Dê-se serventia aos
velhos mortos (alguns não a tiveram em vida) saponificando-se a sua abundante matéria gorda e por adição de essências
de odores espalhafatosos, tão ao gosto dos novos ricos (classe em proliferação
de praga), faça-se um sabonete, o Gerontofil, para uso interno e para
exportação…Na minha opinião seria um êxito e uma forma dos velhos entrarem em
lares ricos…
É de uma credulidade
excessiva, de pasmar, acreditar-se que quem nos enterrou é que nos vai tirar do
buraco.
João
Miguel Nunes “Rocha"
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS • Novembro 2013)
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS • Novembro 2013)