Os gerontes que atinjam a vetusta
idade da aposentação e, não tenham a boa ou a má sorte, de se finarem “in actu e in situ”, devem preparar-se para uma abalada suave, indolor e de
motu próprio, porque neste admirável mundo novo globalizado, as leis que preconizam
e favorecem a morte, prevalecem sobre as que protegem a vida (interrupção
voluntária da gravidez, testamento vital, eutanásia, aplicação da pena de
morte…) e aos velhos, untou-se e besuntou-se o declive ingreme, que sem arrimo
ou corrimão, os privilegiados longevos, têm de descer.
Os ratos abandonam o barco que se
afunda, muitas famílias cientes e ciosas do pedigree dos seus cachorros ou
bichanos, abandonam o parente doente ou velho que se esvai, e os nossos grandes
empresários que mercadejam com os comes e os mui honestos banqueiros que mercadejam
sem princípios, dizem e são unânimes, que é preciso ir buscar mão-de-obra onde ela
abunde e barateie, sem restrições de fronteiras que são coisas antiquadas que
só favoreciam os contrabandistas e deste excesso de humanos, se aproveitem
apenas os mais aptos e se deixem os que sobejam vegetar, até que se instalem no
subsolo.
Nesta próspera evolução a mando
do ”papá económico”, pai biológico de todos os poderes, paira, sobre todos os
futuros individuais e colectivos da plebe trabalhadora, pensionista ou subsídio-dependente
e também sobre os” potenciais pobres diabos ricos” que entregaram a gestão da
sua reforma a fundos de investimento, a seguradoras, a bancos e a outras Donas.
Brancas…, a sombra terrível, da “volubilidade
das regras na hora de pagar” porque todos os contratos novos têm entrelinhas
ambíguas e miudinhas, que os anulam unilateralmente, caso os factos para que
foram subscritos e pagos, aconteçam (Siresp, Saúde, Reforma…) e os contratos
antigos que eram de boa e honesta redacção são crivados por leis retroactivas
que lhes esbulham a eficácia, configurando uma ”falcatrua legal”.
O roubo por leis ao alvo, que
marca o fim do Estado de Direito, iniciou-se no princípio da última década do
século passado e dele foram vítimas preferenciais os do costume e com particular
acutilância os médicos que trabalhando no SNS tinham (às vezes com perdas significativas)
optado por subscreverem a CGA e a ADSE. Nesses tempos de vacas obesas, a necessitar
da colocação de bandas gástricas, em que o dinheiro jorrava de Bruxelas numa abundância
de engodo e de embuste, e o ordenado dos funcionários públicos passou a ser tributado,
abriram e proliferaram,” num exagero à portuguesa” as clínicas de fuga ao
Fisco, que por maroscas e cosméticas emagreciam o irc e menos eficazmente o irs
(os ricos serviam-se de custos sumptuosos e de paraísos fiscais, os remediados
faziam contas poupança-habitação, reforma e outras e os pobres pagavam e calavam).
Estes esquemas nasceram de uma cumplicidade entre o governo e os bancos em que
todos perdiam menos estes. E eis-nos na história da tanga e na pose graciosa do
protagonista nas Lajes, sorrindo e mentindo, com desfaçatez vomitiva.
E a bolha imobiliária rebentou, e
a conta na vez de ser imputada aos fautores usurários, passou para os cidadãos
no ”drama/farsa do Resgate” e da honra, de não renegociar a dívida ou os juros
da dívida.
E, como o dinheiro não se
multiplica por cissiparidade como as células, nem Bruxelas no-lo dá, eis-nos
chegados a um risonho presente apanágio de um encantador futuro, em que há um aumento
diário da esperança de vida, para diminuir as reformas, a eutanásia para
diminuir a velhice e os custos das terapêuticas, os incêndios para engordar os
lóbis e esbulhar o pequeno proprietário da floresta e o ataque ao SNS para
favorecer a indústria da doença… E, como nos contos de fadas mais lindos e mais
utópicos, só os ricos adoecerão. Os pobres terão atingido enfim, um estado de
boa saúde desde que nascem até à defunção.
João Miguel Nunes” Rocha”
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS n.º187 • Março 2018)