quinta-feira, 27 de setembro de 2018

AGACHEM-SE CIDADÃOS

Não é preciso ajudar a morte; qualquer que seja a nossa idade ou condição, ela virá numa voragem avassaladora e faccionar-nos-emos por outras paragens e por outros seres, haja ou não haja Deus… 

Como é possível que médicos com discernimento bastante, defendam a eutanásia, sendo certo, que muito poucos, se viram confrontados com alguém com o desejo genuíno de morrer, e todos sabem que no nosso País, os cuidados paliativos são escassos, exequíveis para uma minoria ínfima de privilegiados?

A nossa natureza egoísta, impiedosa e brutal norteia a vida e campeia entre nós primatas desde os alvores da evolução; onde quer que a espécie humana prolifere ou definhe, sempre haverão guerras, crimes, cumes de iniquidade mas contra o que seria de supor esta característica genética, não mingua, antes se aprimora de geração em geração: das pirâmides de cabeças humanas degoladas pelos mongóis no furor das invasões, à organização metódica de linhas de montagem da morte e da incineração nos campos Nazis, há todo um glaciar de maldade gelada.

Um avião - o Enola Gay -, duas bombas atómicas e duas cidades são apagadas com os seus milhões de seres humanos e os seus cogumelos de fumos cancerígenos e mutagénicos levados pelos ventos dominantes, para paragens longínquas e com efeitos que ainda hoje perduram. Uma história grosseiramente urdida, a motivação do costume, quatro homenzinhos petulantes, a posarem com desfaçatez para a galeria das aberrações, e, eis o Iraque vítima de uma matança sem dó nem perdão, que pese embora todos os epítetos, só pode ser descrita como crime hediondo. Um povo unido por uma religião, errante, porque sempre perseguiu o “Velo de Ouro” acoita-se em Israel e servido pelo poder económico, dono de todos os poderes, alarga espaço esbulhando os palestinianos e a uma pedrada, responde com uma carnificina.

No nosso país as rendas de casa congeladas cem anos, permaneceram-no depois de Abril, transformando os inquilinos em privilegiados e os proprietários em pedintes que sem recursos e sem saídas acabam por vender o património por preços irrisórios aos do costume, que lhes entaipam as portas e as janelas ferindo de morte o mercado de arrendamento. Para escapar à barraca, a classe média empenha-se para a vida, e para dar uma ajudazinha à especulação e à agiotagem, o ”Estado Cúmplice” deu do dinheiro de todos, benefícios fiscais aos que se endividassem. Paralelamente, prosseguindo na senda do esbulho criou-se uma bolsa manipulada que deu origem à frase ”as árvores não chegam ao céu (única, da criatura, de que me lembro) e ao desabar repentino, dos valores cotados; O IGCTP alterou os juros dos certificados de aforro e para induzir a desconfiança e a mudança das poupanças, informou por escrito os aforradores, de que não o fizera, e, o BPP e o BPN faliram fraudulenta e fragorosamente sendo o ónus assumido à força pelos depositantes e pelos contribuintes. A bolha imobiliária cheia de ganância de ar e de falcatruas, estourou, mas antes que rebentasse, os agiotas puseram o seu a bom recato (paraísos fiscais, contas de amigos, divórcios fictícios…) e eis o “drama/farsa da TROIKA” e dos cidadãos chamados a salvar e a lavar a honra dos bancos, como se ao dinheiro dos contribuintes fosse um sabão, ou os enxovalhos da honra susceptíveis de tirar e pôr.

E eis-nos chegados ao cimo do presente: um país de rastos com uma população envelhecida e esbulhada, sem recursos para viver, quanto mais para se tratar (taxas moderadoras, transportes, terapêuticas, enormes listas de espera) escorraçados pelas seguradoras porque são velhos e porque são doentes, coagidas ao SNS, que neste contexto e neste país, parasitado por Parcerias, Fundações, Misericórdias, Privados, Chineses, resvala para a indigência e para a ineficácia apesar das enormes verbas que o cidadão é obrigado a descontar. E, é neste cenário e neste contexto, que se clama a premência de aprovar a Eutanásia, no interesse dos doentes, pasme-se, como se a morte fosse a grande ambição, e,abundassem por aí ajuntamentos de doentes, a pedir que os matassem.

É claro que fora do circulo estrito dos “candidatos”, fervilham os interesses na sua aprovação, como aliás se viu nas votações, mas na minha opinião a eutanásia é um crime horrendo qualquer sejam os pressupostos que invoquem e tal como a interrupção voluntária da gravidez não é feita em beneficio do ser humano que vai morrer mas nos da mãe, cuja bondade não questiono, a eutanásia serve muitos interesses, mas encurrala e exclui o padecente, e invocar a dignidade para oferecer aos doentes o” sumozinho envenenado” só prova o cume de indignidade a que chegámos. 

Entre os interesses que anseiam por um ventinho na alheta, há a classe política que em tempos de vacas magras tem de limitar- se a pequenas trafulhices como alegar moradas falsas… receber vários abonos, por viagem… as  seguradoras, que se o estado se tornasse honrado, ver-se iam coagidas a manter os seguros dos doentes cuja saúde exploraram…As clínicas e os Doutores morte que antevêem um belíssimo ganha pão, e claro, porque não admiti-lo, os familiares do “voluntário”, sobretudo agora que o SNS deixou de poder ser usado como um asilo e perpassa nos média, a ameaça de coagir as famílias a cuidar do seu doente, tenha ou não possibilidades e ou afectos.

A vida moderna com as suas imagens virtuais subliminares, matou muito do que sensível havia no ser humano (que nunca primou pela bondade) mas se chegámos a este ponto, em que nos parece desejável encurtar a vida dos que nos amaram, negando-lhes os cuidados continuados, os cuidados paliativos e os nossos cuidados, porque não esconder do doente a intenção e matá-lo de surpresa? 

Por que recorrer a estes embustes para dar uma aparência de compaixão é o cúmulo da cobardia e da impiedade! Opção livre uma ova; o “doente voluntário” vai responder sim, porque não lhe trataram da dor e dos padecimentos, porque se viu confrontado com o olhar torvo pleno de enfado dos familiares mais queridos, e ao seu sofrimento, aduziu-se acrescendo-lho incomensuravelmente, um imenso desânimo… e o infeliz, querendo esconder-se do horror de si próprio, pede “voluntariamente” que o matem.

Agachem-se cidadãos e em breve seremos uma minoria na nossa Pátria de mil anos, afadigados em trabalhos de criadagem, serviçais e subservientes.

João Miguel Nunes ”Rocha”
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS  n.º193 • outubro-novembro 2018)



segunda-feira, 12 de março de 2018

CATADUPA ALARVE


A morte de neurónios cerebrais que todos os dias acontece contribui para a segunda infância dos velhos, que pasme-se: conservam a memória da história pregressa longínqua, pormenorizada e nítida, e, esquecem o que se passou há meia hora…

Ainda agora ocorreu-me numa associação atabalhoada de catadupa alarve, a história do lobo e do cordeiro, contada no livro de leitura da minha segunda classe, depois pensei na calamidade dos incêndios, na minha opinião maioritariamente ateados a mando dos “interesses”, e, nos cento e tal mortos em vão… e desta ideação saltei para a obrigação, pesadamente sancionada, de limpar os matos e não só, até 15 de Março impreterivelmente, não obstante os temporais, expondo a terra nua e os calhaus, à vista e à erosão, como nas paisagens mais desoladas de um planeta aterrador. Como se participasse numa “sessão espírita”, ouvi vinda de longe, a voz fanhosa, prepotente e odiosa da minha professora de Ciências-Naturais a explicar a função clorofilina e a sua estreita ligação ao verde das plantas, quer sejam cardos, giestas, estevas, silvas ou hortas mesmo que salpicadas com o vermelho dos tomates.

Agora, como que num flash de lucidez, ocorreu-me, vá-se lá saber porquê, se vamos importar o oxigénio da Alemanha ou se vamos compra-lo à Celulose do Caima, à Portucel ou à Industria do Fogo…

Será o Alzheimer? Ou será que atingimos um patamar de iniquidade tal, que tudo é lícito desde que sirva o Capital?


João Miguel Nunes” Rocha”

quarta-feira, 7 de março de 2018

La dona é mobile


Os gerontes que atinjam a vetusta idade da aposentação e, não tenham a boa ou a má sorte, de se finarem “in actu e in situ”, devem preparar-se para uma abalada suave, indolor e de motu próprio, porque neste admirável mundo novo globalizado, as leis que preconizam e favorecem a morte, prevalecem sobre as que protegem a vida (interrupção voluntária da gravidez, testamento vital, eutanásia, aplicação da pena de morte…) e aos velhos, untou-se e besuntou-se o declive ingreme, que sem arrimo ou corrimão, os privilegiados longevos, têm de descer.

Os ratos abandonam o barco que se afunda, muitas famílias cientes e ciosas do pedigree dos seus cachorros ou bichanos, abandonam o parente doente ou velho que se esvai, e os nossos grandes empresários que mercadejam com os comes e os mui honestos banqueiros que mercadejam sem princípios, dizem e são unânimes, que é preciso ir buscar mão-de-obra onde ela abunde e barateie, sem restrições de fronteiras que são coisas antiquadas que só favoreciam os contrabandistas e deste excesso de humanos, se aproveitem apenas os mais aptos e se deixem os que sobejam vegetar, até que se instalem no subsolo.
Nesta próspera evolução a mando do ”papá económico”, pai biológico de todos os poderes, paira, sobre todos os futuros individuais e colectivos da plebe trabalhadora, pensionista ou subsídio-dependente e também sobre os” potenciais pobres diabos ricos” que entregaram a gestão da sua reforma a fundos de investimento, a seguradoras, a bancos e a outras Donas.

Brancas…, a sombra terrível, da “volubilidade das regras na hora de pagar” porque todos os contratos novos têm entrelinhas ambíguas e miudinhas, que os anulam unilateralmente, caso os factos para que foram subscritos e pagos, aconteçam (Siresp, Saúde, Reforma…) e os contratos antigos que eram de boa e honesta redacção são crivados por leis retroactivas que lhes esbulham a eficácia, configurando uma ”falcatrua legal”.

O roubo por leis ao alvo, que marca o fim do Estado de Direito, iniciou-se no princípio da última década do século passado e dele foram vítimas preferenciais os do costume e com particular acutilância os médicos que trabalhando no SNS tinham (às vezes com perdas significativas) optado por subscreverem a CGA e a ADSE. Nesses tempos de vacas obesas, a necessitar da colocação de bandas gástricas, em que o dinheiro jorrava de Bruxelas numa abundância de engodo e de embuste, e o ordenado dos funcionários públicos passou a ser tributado, abriram e proliferaram,” num exagero à portuguesa” as clínicas de fuga ao Fisco, que por maroscas e cosméticas emagreciam o irc e menos eficazmente o irs (os ricos serviam-se de custos sumptuosos e de paraísos fiscais, os remediados faziam contas poupança-habitação, reforma e outras e os pobres pagavam e calavam). Estes esquemas nasceram de uma cumplicidade entre o governo e os bancos em que todos perdiam menos estes. E eis-nos na história da tanga e na pose graciosa do protagonista nas Lajes, sorrindo e mentindo, com desfaçatez vomitiva.
E a bolha imobiliária rebentou, e a conta na vez de ser imputada aos fautores usurários, passou para os cidadãos no ”drama/farsa do Resgate” e da honra, de não renegociar a dívida ou os juros da dívida.

E, como o dinheiro não se multiplica por cissiparidade como as células, nem Bruxelas no-lo dá, eis-nos chegados a um risonho presente apanágio de um encantador futuro, em que há um aumento diário da esperança de vida, para diminuir as reformas, a eutanásia para diminuir a velhice e os custos das terapêuticas, os incêndios para engordar os lóbis e esbulhar o pequeno proprietário da floresta e o ataque ao SNS para favorecer a indústria da doença… E, como nos contos de fadas mais lindos e mais utópicos, só os ricos adoecerão. Os pobres terão atingido enfim, um estado de boa saúde desde que nascem até à defunção.


João Miguel Nunes” Rocha”
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS  n.º187 • Março 2018)