terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Que Deus nos valha

Estrada parcialmente alcatroada, com enormes segmentos de terra batida, entre Furancungo e Tete. No “Unimog 404”descapotável, ao lado do condutor, esturrico sob o sol ardente e amaurótico.  As picas com a suas pontas de metal vão batendo no solo, numa cadência monótona e hipnótica de metrómano. Eu vou olhando as margens da picada, tentando enxergar a passarada, que se a vir, é sinal de que não há “turras” emboscados. Nunca tive tanto medo, nem sequer quando fui ferido, como nesse dia em que percorro pela última vez o caminho de Tete e do avião (Moatize) para Lourenço Marques, onde não há guerra. 

Agora mais de meio século depois, leio as notícias, incertas ainda, sobre o plano de vacinação português e, um medo gélido atenaza-me a alma, e, a noção de impotência é mil vezes pior do há cinquenta anos, em que jovem guerreiro, podia bater-me e debater-me com vigor. Hoje velho, já perto do fim funesto, posso protestar, gritar ou esbracejar inutilmente, como certamente aconteceu a muitos velhos nesta pandemia, mortos sem conseguirem que, alguém os ouvisse ou se importasse…

 Inicialmente queriam excluir todos os velhos da primeira linha de vacinação; Sendo porém de mau tom (depois da razia) e propenso a custar votos, deram uma meia volta dúbia, e agora, só o serão, os internados em lares, porque os outros (se doentes) serão incluídos num vasto e mal amanhado rol de maiores de 50 anos com co morbilidades como: insuficiência cardíaca, doença coronária, d.p.c.o. e insuficiência renal. É óbvio, mesmo para os leigos, que o tempo que medeia, entre os 50 anos e a velhice real, danifica os órgãos, e, faz brotar milhões de cruzes nos cemitérios; acresce que, em sentido lato, há uma diferença abissal, entre a gravidade dos doentes, nas patologias mencionadas:- de uma doença coronária por um ateroma localizado a uma doença de 3 vasos, multisegmentar, não susceptível de  tratamento angioplástico  por cateterismo ou colocação de bypass de enxerto  venoso(safenas), e, com infarto e necrose miocárdicos extensos, há décadas de vida de diferença, no prognóstico -. E quando 2 ou mesmo todos, estes grupos de patologias coexistem? Os doentes que procurem as prioridades vacinais no outro mundo, porque viver com muita idade e muitas doenças, é de muito gasto e de muito mau gosto. Só se pertencerem ao ramo sacrossanto da política é que se justifica o dispêndio, dada a imprescindibilidade de tal gente, não obstante, a sua abundância. 

Acresce que se impôs, que estes doentes prioritários, sejam vacinados nos centros de saúde e, é sabido que muitos milhares de portugueses não têm médico de família, grupo no qual me incluo, porque sou seguido no hospital de Santa Cruz, e só fui ao centro de saúde 3 vezes, 2 em anos em que houve vacina da gripe disponível, e outra, para tirar os agrafos da segunda intervenção ao desfibrilhador cardíaco no fim do ano passado e, não tenho médico atribuído, nem história clínica registada neste. Claro que se quisessem ser claros, publicariam uma lista com a ordem porque serão vacinados os cidadãos, embora não veja como ordenar as prioridades caso a caso, a não ser por um processo moroso e incompatível com a situação. Mas uma lista pública, mesmos com lacunas, seria de grande valia e bruniria a ambiguidade e obstaria às ultrapassagens e às cunhas. Ontem ouvi o doutor Francisco Ramos esclarecer que quem não tem médico de família terá de apresentar um relatório do seu médico assistente no centro de saúde; isto, como se cada pessoa, pudesse aceder ao seu médico (se o tiver) sempre que queira. Tal imposição, a manter-se, vai criar um longo e penoso calvário, sobretudo para os mais pobres e os mais incapacitados e originar um pantanal de influências.

Fico profundamente triste, por ver os velhos com mais de 75 anos (fora das instituições e dos lares) serem excluídos do acesso prioritário, para bem deles, pasme-se, o que não surpreenderá os cidadãos sérios e atentos, que têm assistido estarrecidos, à “partida” dos nossos gerontes. Das minhas cinco irmãs, duas, de 78 e de 80 anos não têm co morbilidades conhecidas, não beneficiando pois, de quaisquer prioridades.

Apraz-me constatar que a maior parte dos colegas que aparecem nos “media” são dignos representantes da” leges artis” e defendem os interesses dos velhos; É pena, que no grupo que gere a pandemia e no que tutela a saúde, haja bastas excepções.

Que Deus nos valha… se o houver.


João Miguel Nunes “Rocha”


Publicado na revista 207 da ordem dos médicos de outubro de 2020.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

A CEREJA DOS DESALMADOS

O sucesso da fase inicial da pandemia, tão retumbante que até lhe chamaram o milagre português, não se deveu a nenhum grande mérito dos gestores, DGS, MS, políticos, cuja actuação se pautou por um rol de falhas, omissões e contradições que esboroaram, a sua credibilidade e a nossa confiança.

O confinamento cujos malefícios: destruição de empregos, abate do tecido produtivo mais frágil, pobreza galopante, tratamento muito desigual, quer das empresas quer das profissões, fome de terceiro mundo… não cumpriu os pressupostos da sua razão de ser, apesar da adesão espontânea massiva: proteger os mais vulneráveis - os velhos, os doentes – que mesmo confinados em casa ou aprisionados em lares (prisão que se mantém) e apesar do vírus não ter transporte próprio, não escaparam ao contágio e à razia mortal, cujo número real está longe do apregoado. Este resultado, quer se trate de um crime premeditado, o que o torna hediondo, quer de uma desmesurada incompetência, tem responsáveis, que ao invés de punidos, vêm todos os dias do cimo dos seus altos cargos, dar-nos contas do seu falhanço e, omiti-lo, tentando passar a culpa para os cidadãos e ao enumerarem os óbitos vem sempre o coroar feliz: todos acima dos setenta, oitenta anos… E, esta miserável cereja em cima do bolo dos desalmados, enfatiza diariamente, que os novos, muito raramente são afectados com severidade ou com sequelas e a morte neles é excepcional, o  que carcomeu o medo, manifestando-se agora o desrespeito dos jovens pelos limites, inerente a um civismo que se desvaneceu… ou que nunca existiu.

Excepto o confinamento e a sua ambivalência e, os conselhos repetidos até à exaustão: higienização das mãos, etiqueta respiratória, distanciamento, não se vê prodigalidade, ou, medidas de eficácia real, como o seriam: lotação adequada dos transportes públicos; abolição das festas de cariz político, religioso ou lúdico, impostas sem medos, tibiezas ou ambiguidades (pois se até se proíbem os familiares nos funerais…); tratamento atempado e eficaz a quem dele careça, COVID ou não COVID, porque a morte é sempre o fim; ventilação adequada de todos os espaços fechados, quer sejam os lares dos nossos velhos ou as escolas dos nossos filhos, e, a sua desinfecção frequente; limpeza e desinfecção das ruas (ou será que o vírus morre ao cair ao chão); horários desfasados impostos com firmeza e não ao deus dará; multas a doer, para quem viole o distanciamento obrigatório, seja onde for; cumprimento das regras decretadas para os aeroportos (infringidas constantemente); contratação de pessoal de saúde para o SNS, de modo a possibilitar o tratamento adequado de todos os doentes e não ter de se recorrer à inevitável “selecção”, real desde o início da pandemia (eu próprio recebi várias mensagens a desmarcar-me consultas hospitalares); falar verdade aos cidadãos; testes, testes, testes…

Mesmo para os crentes e até para os clérigos os desígnios de Deus são insondáveis, e o COVID-19 que veio dar uma grande dádiva à “Senhora da Gadanha ” e trazer o gáudio e a prosperidade às funerárias, mata quase que exclusivamente pessoas de idade avançada, com ou sem comorbilidades graves e sendo obrigação do Estado que nos cobra os impostos, proteger os cidadãos, na saúde e na doença, urgia por força  do dito, isola-los eficaz e não atabalhoadamente, como o fez, privando-os das visitas dos familiares mas não impedindo que outros, os fossem infectar; amargurou-se-lhes o fim, mas não os livraram de uma morte escusada, encurralados nos lares, ao invés do que fizeram com os migrantes da Almirante Reis, ou do que fariam, se se tratasse de crianças ou de cidadãos importantes.

Aproveitar a pandemia para ressuscitar o SNS, tornando-o apelativo para os profissionais e de confiança para os doentes, o que só se conseguirá com carreiras médicas dignas, exclusividade com remuneração adequada e, muito mais pessoal…

Porque, se o cidadão só merece viver enquanto produzir, porque não tornar os descontos para a reforma, facultativos, como no tempo do ditador.


João Miguel Nunes “Rocha”

Publicado na Tribuna da Ordem dos Médicos em 3 Novembro, 2020

sábado, 13 de junho de 2020

OS GERONTES E AS VAREJEIRAS

Como vão longe os tempos, em que garoto cria, que todos os crimes eram punidos neste mundo e no outro e, me parecia crível, que o inferno fosse um remorso eterno, uma angústia sem fim. Agora, incrédulo e ateu, creio numa “alma” humana eivada de recônditos, repletos de pulsões primevas, viçosas ainda e, prontas a vir à tona sob estimulação bastante expondo a besta, que há na natureza humana.
No nosso tão civilizado Portugal, que até integra a U.E., a morte é sempre assinalada pelo zumbir das varejeiras; estas moscas grandes de um verde metálico, põem os ovos nos cadáveres porque as suas larvas  glutonas, devoram  vorazmente a carne com o adocicado pútrido da decomposição  e não descriminam por idade ao contrário do que acontece com as varejeiras da comunicação social, que preferem um só cadáver cuja juventude cative audiências, às centenas e centenas de velhos aprisionados em lares, mortos criminosa e macabramente, por omissão de auxilio e, que padecem dias e dias, não só do sofrimento inerente ao Covid-19, mas de terror crescente, do terror-pânico e da angústia atroz de perceber, que ninguém os ama ou quer, que de outro modo se não pode explicar, a passividade, a indiferença, constatada nas famílias e na sociedade.
Não me choca que em condições extremas se dê primazia à juventude; acho até que deve ser assim. Mas que se deixem morrer os gerontes, só porque os homenzinhos da agiotagem, querem retomar o negócio das reformas, que os velhos goraram, não morrendo no dia da aposentação ou, ao redor! Que raio de horrível mutação se deu nos cidadãos, para que aceitem calados, que se deem milhares de milhões de euros aos bancos (BPP, BPN, BES, BANIF,CGD…) que esbulharam os depositantes e os contribuintes e se matem os nossos velhos, para poupar na malga de sopa e na côdea de pão, ou que se aceite passivamente, que os nossos sexagenários são novos de mais, para a reforma, mas demasiado velhos para ter direito, se necessário, à respiração assistida?
Se acreditasse nas boas intenções que subjazem à aprovação da Eutanásia e do Testamento Vital, eu próprio subscreveria a morte para o dia em que perdesse a autonomia, porque considero que não há desolação maior, destino mais aterrador, do que viver num dos nossos lares, ou sobrecarregar uma família que não nos quer, mas como estou convicto que o que se pretende é eliminar prematuramente os custos das terapêuticas e da velhice e, que a vida, qualquer que seja a nossa idade, desde que independentes, é melhor do que a morte… (o sol resplandecente de inverno, o sorriso de um neto, o esboço de uma carícia, um sonho lindo de que se acorda com pesar). Mas de que vale a minha opinião de velho, se está em plena marcha um meritório plano para acabar connosco. De facto, o mundo fica mais bonito sem velhos: tão trôpegos, tão feios, com o rosto enxameado de máculas e de nevos, de xantelasmas e de xantomas, com o pelo a migrar do cocuruto da cabeça para as orelhas e para outras zonas, de seu natural peladas, rugas cavadas, abissais, um papo alongado a desabar do mento para a fúrcula esternal… Na minha opinião, bastam meia dúzia de velhos para desfear qualquer jardim. Talvez porque, esta constatação seja corroborada, por muita gente, o Estado dá um benefício fiscal às famílias que escondam os seus velhos em lares, ao invés do que acontece, com as que os mantenham no seio familiar. É um subsídio justo e em nome da estética; se em prol desta, até os nossos jovens mocetões se depilam, se maquilham e exibem os seus músculos hormonais, como aceitar que aqueles (os velhos) andem por aí, a destoar?
As máscaras de inúteis e até contraproducentes, passaram a obrigatórias e fonte de coimas e negociatas… será que o são, nas salas de convívio, atabafadas e promíscuas dos lares?
E, sentiria ainda mais orgulho (que é grande) pelos meus colegas da frente de batalha, se os visse denunciarem todos os encobrimentos e se forçassem a publicação das estatísticas dos velhos, que no rol dos mortos por Covid-19, tiveram acesso a cuidados intensivos, a ventiladores ou até, a hospitalização.
Agora que a pandemia foi controlada, embora se não se perceba bem porquê, já que as mortes continuam, e, o número de infectados aumenta todos os dias, veem os danos colaterais da contazinha e, os que se compraziam com o facto de os defuntos serem quase exclusivamente velhos, vão gemer sob o azorrague dos ónus a cargo do pequeno e médio contribuinte como é natural e, uso ser. E eu, talvez devido à demência, penso: mais valia manter os velhos vivos até aos novecentos e sessenta e nove anos, como Matusalém…
Oeiras 15 de maio de 2020
João Miguel Nunes “Rocha”

segunda-feira, 27 de abril de 2020

NÃO MATEM A AVÓZINHA

A multidão rodeia-me, mas eu sinto-me só; desejaria fabricar sorrisos que demonstrassem a todos o meu enorme desejo de comunicação, mas os meus lábios apenas desenham esgares que me tornam ridículo. E, quando cansado, farto de tentar demolir essa barreira que me separa das pessoas, volto a mim e reflicto, encontro o enorme vazio dos velhos, tropeços descartáveis nos tempos que correm, olhados de soslaio pelos seus concidadãos, que assistem à sua extinção, como se de um mal necessário se tratasse ou, até de um bem (as lágrimas do herdeiro são riso disfarçado).

À medida que nos aproximamos das “nebulosas campinas da eternidade”, a nossa substância (mais alma) vai-se tornando etérea e tão frágil, que suscita naturais preocupações, a esta gente da governação, caracterizada pela dedicação (aos interesses) e por uma bondade difícil de encontrar mesmo nos púlpitos, nos nichos ou até no Céu. Somos um país pobre, com cuidados paliativos escassos para os doentes ricos e, inexistentes, para os velhos pobres, e, por isso, obstando à dor e mantendo a dignidade , o parlamento, onde o altruísmo flui, abunda e se esbanja, aprovou a Eutanásia, facultando, a esmo e a eito, aos doentes e aos velhos, a Boa Morte, poupando-os à possivelmente longínqua mas nunca indigna, morte natural.

Agora que o Covid- 19 grassa, sem que o governo tenha sido prolixo em nada, senão na desinformação (máscaras ,testes, apoio a lares, números, ventiladores negados aos seniores, linha SNS paga, e para que se liga em vão … apoio domiciliário) os velhos depositados nos lares, permanecem lá aprisionados, positivos e negativos ombro a ombro, numa proximidade pegadiça e promíscua, respirando o mesmo ar atabafado , contagioso e letal. E, como a maioria dos velhos não são taralhoucos, é inimaginável o terror-pânico que impera nestes antros a que acresce, a amargura pelo ostracismo e pela passividade, dos que amaram. E, se Isto acontece nos lares bons subsidiados pela SS, só Deus sabe, o que se passará nas pré-morgues enxovias, que são os lares clandestinos, onde os residentes, jazem atafulhados e partilham um espaço menor do que os defuntos do cemitério dos Prazeres e onde a pandemia (por ser de declaração obrigatória) nunca entrará. Todas as defunções serão devidamente certificadas pelo colega que colabore com a funerária, nestes tempos de grande facturação, para os papa-defuntos .Na minha opinião as estatísticas correctas dos óbitos por Covid-19, são as constantes na contabilização das supracitadas, subtraída do número de óbitos, em períodos idênticos de anos transactos.

Aos velhos que ainda habitam algures, maioritariamente em condições precárias, querem coloca-los em prisão domiciliaria perpétua, numa atitude elaborada de maldade que não lembraria a Satanás, ao Marquês de Sade, nem sequer aos Nazis cujo” tratamento” era de grande eficácia, decorrendo cerca de uma hora desde que os “clientes” entravam por seu pé nos balneários, até que saíam pelas chaminés de Auschwitz. E, entretanto, ainda os despojavam dos dentes de ouro, do cabelo, das tatuagens… Que tal intenção tenha partido, do frenético espalha- afectos, parece-me absurdo, tanto mais que a denigre e fere uma inconstitucionalidade, que só por lapso, poderia escapar, ao ilustre Professor, cuja humanidade se prova ao consentir a soltura de 2000 presidiários sem factores de risco em relação ao Covid-19, já que estes, serão abrangidos por um indulto presidencial. Que consolos restam aos bastos gerontes, sem família que os apoie ou reforma que lhes encha a malga, senão o sol, que até os alemães insistem em cá vir apanhar. Se fosse atreito a divagações malignas, talvez me ocorresse que estão a encurrala-los para que o stress faça o que o Covid-19 não fez, ou que até talvez, seja nomeada uma comissão (unidade missão) que lhes vá infectar a casa, com o patriótico e meritório intuito, de melhorar a sustentabilidade das pensões.


Estiveram muito bem: os profissionais de saúde na frente da batalha; os colegas Miguel Guimarães , Roque Cunha e Tiago Correia; alguns jornalistas e pouquíssimos políticos.
O comportamento exemplar do povo talvez se deva, mais ao medo, do que ao civismo.

terça-feira, 31 de março de 2020

O GENOCÍDIO DOS GERONTES

Os genes, a aleatoriedade da sorte, os hábitos, impedem muitos de chegarmos a velhos. 

Quando na primavera Marcelista se criaram a CGA e a SS, teve-se em conta a esperança de vida ao calcular-se a idade da reforma. Embora as regras fossem escrupulosamente cumpridas na hora de pagar, eram poucos os que tinham uma longa aposentação.

Depois com a maior conquista de Abril, o SNS, os velhos agarraram-se à vida como as moscas ao melaço e, tornaram-se malquistos por esta gente, que lucra em tudo e se revela pouco séria  no dia do pagamento. Com o avanço avassalador da informática e com a devassa inerente do mais intimo de cada um, as seguradoras, o SNS, certos poderes ocultos, tornaram-se omniscientes e omnipotentes, num mundo em que já nem Deus, o é.

No curto segmento que é a vida, há em cada momento a possibilidade de sermos emboscados pela morte, mas depois de escaparmos mil vezes ilesos, é miserável, de extrema iniquidade, que pereçamos, não às mãos da” senhora da foice e da gadanha”, mas que recebamos um convite ou um empurrão para a morte.

A aprovação da eutanásia, sem que haja cuidados paliativos, veio provar, a canalhice desta gente, corroborada por um parlamento vazio e pelos profissionais do SNS desprotegidos e, na frente da batalha. E, pela atitude da senhora Temido, nomeada ministra da saúde, sabe-se lá porque méritos ou por que razões, que respondeu à gerente do lar de Famalicão, desesperada, que os lares deviam ter um plano de contingência, isto perante uma catástrofe, em que esta gente da governação pouco mais fez, do que decretar o Estado de Emergência, e vir para a televisão a tentar ficar bem na fotografia, despudoradamente.

 Apregoam-nos a discriminação, como um crime, mas há muito que discriminam os velhos de uma forma intolerável, acusando-os de, por viverem, onerarem os mais novos e depauperarem a SS e a CGA ,sabendo todos  que estas estão exauridas, porque esta gentinha usou o dinheiro dos subscritores para outros fins, o que na minha opinião configura uma violação fraudulenta do contrato ,um roubo, e, se os mais novos têm empregos precários e mal pagos é porque a globalização lho impôs e lho vai continuar impor, quando dentro em pouco, só houver velhos, nos álbuns vendidas a esmo, na feira da ladra.

Vai haver um genocídio dos gerontes, não só e sobretudo, por estes serem mais frágeis, mas porque estão a ser deliberadamente empurrados para a morte, encerrados em casa onde se espera que morram discretamente, sem socorro, sem alarido e sem contar para as estatísticas ou encurralados, em lares e em enxovias,  onde  apesar da denúncia meritória de alguns, os apoios tardam, e vai haver uma autêntica razia, para bem da banca ,da SS, enfim dos do costume.

E, o extermínio dos velhos, não vai aliviar em nada os contribuintes, porque estes profissionais-marionetes já andam a arranjar-nos uma nova TROYCA e uma banca que vai fazer usura como é seu hábito milenar, acrescido, quando o Estado não se lhe impõe, antes lhe obedece. E aos jovens de sensibilidade embotada, que assistem à matança dos avós e dos pais, com a indiferença de quem assiste a um filme, em breve quando velhos, se ainda forem seres humanos, sentirão uma angústia e um remorso inexoráveis.,


Se isto é o admirável mundo novo, da globalização e da Europa fraterna, devo ser orate, porque me sinto na barca de Caronte desde que o senhor Silva e o senhor Durão  Barroso nos apascentaram, sem interrupção…até esta pandemia ou guerra biológica.


João Miguel Nunes ”Rocha”
(março 2020)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A PRAGA E O INTERESSE

Por força da nossa natureza humana, que não prima pela bondade, o interesse prevalece quase sempre sobre os afectos e não raramente sobre os princípios, e por isso, se queremos ter um SNS (que já foi dos melhores) que a todos sirva bem, arredemos os pressupostos madrigalescos e utópicos, de que os médicos são seres morais de topo, impolutos como a Santa Madre Teresa de Calcutá e de tal  grandeza de caracter, que barricados no seu ideal de servir e de tratar, resistirão estoicos, às lamúrias rancorosas dos filhos, descoroçoados, por o “papá” ser um pelintra.

Tais presunções só iludem os simples e beneficiam os que, sem um mínimo de honra ou de decência, pretendem alambazar-se nos despojos de um SNS destroçado, deixando os cidadãos de recursos parcos, encurralados pela doença e pela morte escusada, à míngua de quem os trate.

Os santos, quer na classe médica, quer na eclesiástica, são notoriamente escassos, e, se abundam os que jazem sob o lajedo dos templos ou esculpidos em pedra e em talha, suscitam-nos uma dúvida razoável quanto à sua santidade e quanto à sua proveniência de classe.

Para que o SNS volte a erguer-se, das ruínas esbarrondadas do que já foi, e a orgulhar-nos,  urge entupir e vedar todos os vasos comunicantes entre o privado e o público e canalizar para este, todos os recursos (que afinal jorram dos bolsos dos contribuintes num manancial crescente de esbulho) sendo de inteira justiça que sejam estes a beneficiar.

As clínicas e os hospitais privados, que se amanhem com as seguradoras, com as Misericórdias, com essa sanguessuga voraz em que se metamorfoseou a ADSE valendo-se da fragilidade e do medo dos velhos e da complacência cúmplice, do nosso Estado dito de direito, e enfim, com todos os” negociozinhos da doença” e os da morte, num futuro próximo. Os doentes que presumindo-o, e mal, que serão melhor tratados nas clínicas privadas, que as paguem ou que façam um seguro de saúde, que lhes comparticipe as bagatelas e que os descarte, quando a doença ou o conhecimento antecipado desta, pela devassa dos arquivos clínicos e não só, os alerte (aos seguros) para um prejuízo eminente…

Reerguer e dignificar as carreiras médicas, tornar meritório transpor-se o crivo de malhas estreitas que conduz aos internatos de especialidade nos hospitais públicos, contratar os médicos por concursos públicos dignos, diferentes das degenerescências, que se tornaram hábito desde a ultima década do século passado, desmoralizando e desmotivando muitos colegas entre os melhores, e, pagar bem aos que ingressarem nos quadros mas impondo-lhes a exclusividade, obstando assim, à mobilidade e à volubilidade dos interesses. O resto virá espontaneamente em pouco tempo e as clínicas privadas (excepto as de grande valia) depressa voltarão à insignificância, que as caracterizou durante o apogeu efémero do SNS. 

Se de facto o país está sem cheta, apesar das mordomias gritantes, é preciso poupar no supérfluo e não naquilo que é primordial para a maioria dos cidadãos, como um SNS a que todos possamos recorrer, com a certeza de ser bem tratados. É preciso por no seu lugar estes políticos profissionais que eleitos pelos partidos e pelo voto da maioria governam despudoradamente para servir os do costume, e se necessário for, amedronta-los, e a primeira despesa a abolir, é limitar o número de deputados, vereadores, etc., que alguns sem tugir nem mugir ou apresentar trabalho relevante em muitos anos, proliferam numa abundância de praga.

E acabar de vez com esses sorvedouros de euros que são as parcerias público-privadas.




João Miguel Nunes ”Rocha”
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS  n.º203 •  dezembro 2019)