Os velhos e os doentes no limiar
da outra vida ou (arredando dogmas, sonhos e utopias) a um passo, do “pó ao
pó”, têm sobre os outros cidadãos a enorme vantagem de em breve serem acometidos
por uma mudez definitiva e por uma frieza gelada, refractária e avessa aos lumes
que ateiam os rastilhos dos rancores e das vinganças, além da notória
decadência e fragilidade que em geral precede o fim, tolhendo-lhes a defesa e
tornando-os os alvos preferenciais destes guerreiros que pejam e se acoitam nas
elites e que se pelam por ir à luta sem dar a cara, ou arriscar o pelo, e, que
sem um resquício de bondade ou de decência, desceram à vileza desalmada de
associarem a abundância da velhice, ao afundamento do país e à deriva sem
perspectivas dos jovens, criando de propósito, uma clivagem hostil de gerações que
aduz à já mísera solidão dos velhos, uma barreira de antipatia glacial e de
aversão, que dão azo, a todo o tipo de abusos: espancamentos dentro e fora do
seio familiar, fome verdadeira, aprisionamento em enxovias que teriam aterrado
Dante, e inspirado Satanás a redecorar as ”profundas”.
Que raio de mundo é este, que
fervilha e medra à nossa volta, com livre trânsito perante a nossa complacência
em que todos os dias vemos trucidados pelas elites os princípios mais básicos
da equidade e a decência, que presumimo-lo, norteia a maior parte dos seres humanos.
Estão a cortar-nos rentes as vias de saída ascendentes e as saídas descendentes
que nos propõem são cada vez mais dúbias, tortuosas e tão ingremes que parecem
insusceptíveis de desembocar na luz.
Tidos por néscios e
prostibulários em Bruxelas e como meros pagadores de impostos e eventuais
eleitores sugestionáveis, de raciocínio parco e lerdo, pelas nossos, que se de
outro modo o fossemos, não nos viriam com as explicações inverosímeis, que
espantam pela singeleza, que só podem advir do pouco empenho a que recorreram,
mesmo aduzindo a pobreza neuronal implícita.
E, que raio de gente somos nós,
que permitimos, que o ónus brutal do resgate, imposto pelos banqueiros a um
governo “faz de conta” seja pago e repago pelos cidadãos, mesmo pelos que ironicamente
nunca puderam abrir uma conta bancária, e a banca, na vez de gratidão, abra falência
fraudulenta em catadupa, apoderando-se do pecúlio aforrado em vidas inteiras de
trabalho e de privações e sob o pretexto vetusto, de uma credibilidade há muito
finada, nos imponha o conto “do banco bom, banco mau” e respectivos encargos
presentes e futuros, que outra coisa não é, do que troçarem de nós e
amputarem-nos o futuro, amputação esta que deve ser tomada em sentido literal,
se a eutanásia for aprovada, porque agora, que os poderosos e os estrangeiros,
esgaravatam em tudo o que deveria ser, só público, vai iniciar-se uma época de
terror e de selecção, de ”doente rico, doente pobre”…. Em que o doente rico só tem
a temer as situações que tornem prevalecente a vontade dos herdeiros, e o
doente pobre, acossado pelo sofrimento, olhado glacialmente e com enfado pelos
seus, sentindo-se o encargo que realmente é, com a autoestima num pélago abissal,
vai “às cavalitas do medo e da angústia” pegar “voluntariamente” no copinho de
“cicuta” dado pelo simpático algoz de bata branca.
Nós, os médicos, vinculados pelo
Juramento de Hipócrates, à exclusão da morte como tratamento, não devia-mos enfileirar
nunca, na lista de pretendentes aos lugares de carrasco que isso não nos trará
honra e mutilará para sempre a confiança dos doentes, mas denunciar, isso sim,
a carência quase absoluta, de cuidados paliativos e continuados públicos, o que
faz com que a eutanásia a “pedido do doente pobre” aqui e agora, (se aprovada)
não seja uma opção mas a inexorável e única alternativa ao sofrimento… e, se
por um momento que seja nos pusermos no lugar do outro, sentiremos como
obrigação inadiável, exigirmos, a criação de cuidados paliativos a que todos
sem excepção, possamos recorrer.
Que raio, nós que fomos pioneiros
na abolição da pena de morte, vamos reintroduzi-la, para os deserdados…
Podemos não saber de quem é a mão
que segura a batuta que rege a orquestra que marca o passo da nossa” dança
macabra” em execução, mas temos olhos e percepção para enxergar os mandatários
que mantêm há anos uma relação simbiótica ou parasitária com a coisa política,
e que ao vir justificar-se mediaticamente, na vez de desenxovalhados saem
encolhidos como a roupa de má qualidade ao ser lavada. E abundam na política como o
caruncho na madeira afectada, ao dar sinal…
João Miguel Nunes ”Rocha”
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS n.º119 • Maio 2017)
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS n.º119 • Maio 2017)