quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O HOLOCAUSTO DOS ÓNUS

No Mar Mediterrâneo, perto das costas de Lampedusa, rentes à tona, entre destroços e imundícies reunidas no estofo das marés mortas, cadáveres ventrudos vogam nas correntes mansas, semelhantes a medusas enormes, gelatinosas e horrendas. Migrantes encurralados em redis, guardados por cães lobos e por lobisomens, lutam contra as privações, contra o medo e contra a angústia de um destino incerto…e contra o terror-pânico, da sua devolução ao demónio. Homens-bombas, fazem-se explodir em estilhas sangrentas, que se juntam aos corpos esquartejados das suas vítimas. Haverá neles apenas o desejo de fazer mal? Que enorme poder ou desvario, lhes serve de motivação e lhes dá ânimo!... Emigrantes, sobretudo de África e dos PALOP, tornam-se malquistos, por disputarem aos nossos, os empregos já de si escassos e permitirem aos patrões, permutarem salários parcos, por salários de miséria.

Por analogia, a nossa situação presente, traz-me à memória os romances de Ferreira de Castro:-rurais pobres, querendo tenazmente aumentar as suas courelas e mudar a sua sorte, eram aliciados pelos do costume, e para poder partir, empenhavam-se; chegados ao “ Eldorado,” nas entranhas e nos confins do sertão brasileiro, tinham de comprar, fiado e a preços exorbitantes, as ferramentas do trabalho e o sustento, contraindo uma dívida, que ia aumentando a cada safra, amarrando-os inexoravelmente a uma servidão sem grilhões, mas tão amarga, penosa e letal, como a escravatura nas minas de salitre ou nas galeras, da Roma Imperial. Os únicos que enriqueciam eram os “Nunes”, que mercadejavam com a miséria…

Como se lhes assemelha o nosso destino, depois de esbanjarmos a nossa soberania e abdicarmos da nossa moeda, para nos metermos nesta Europa, que não nos quer como iguais, mas como meros serviçais: restaurantes, turismo, sexo, mar, sol, aqui…e, nos países deles, licenciados de grande competência formados com o dinheiro dos seus pais e o dinheiro dos nossos impostos, ou mão-de-obra braçal, diferenciada, barata e descartável. Na minha opinião não há nada (ou muito pouco) de espontâneo nos ”media” e não é por acaso que se dá tanta importância à cozinha: urge apaparicar os nossos donos porque o nosso futuro é, de subserviência e de bandeja.

E, como pano de fundo, deste quotidiano que se vive há duas década, elites medíocres que se sucedem (um até começou de tanga, vestia já fato e gravata, quando posou nas Lajes para a galeria das aberrações e, ascendeu ao topo da banca, onde se jogam os destinos de povos e o saque do mundo), servindo de paus-mandados, ao poder oculto e maligno, que está a conduzir a Europa e o mundo para mais uma hecatombe, usando à tripa-forra três armas letais: a força da guerra, a força do medo e a imensa força do poder mediático, formatando opiniões e subvertendo indelevelmente as democracias.

Mesmo agora que esse senhor choramingas, que democrata, quis tornar todos os portugueses pedintes, e que parece desejar-nos mal, com as suas premonições lamurientas, tão a despropósito como uma carpideira pranteando-se fora dos funerais, foi arredado, e que o presidente da república, parece a antítese dessa “trindade” muralhada e intocável, vá-se lá saber por que virtudes ou méritos, e que foi, isso sim, um dos fautores do atoleiro onde nos enterrámos. O Presidente Marcelo ao contrário do seu antecessor, não mostra receio de contágio ao beijar cidadãs comuns ou medo de beber um copo, com o povo que o elegeu.

Goste-se ou não, é um facto.

Embora com a mudança política, haja já, quem ouse ter esperança, persiste envolvendo-nos como uma carapaça intangível e inexpugnável “a dívida e o serviço da dívida” tolhendo-nos qualquer movimento ou perspectiva de ascensão. É a vontade da” Europa Dona” granítica, inamovível e implacável, em relação aos fracos e cujos propósitos são inconceptíveis de outra interpretação: posse absoluta de Portugal, com o mínimo de ónus e com uma multiplicação dos úberes…

A prová-lo, há a verborreia que antecede a aprovação dos orçamentos por Bruxelas, e que apesar da facúndia, já todos sabemos de cor: - cortem nos salários, nas pensões (mesmo nas contributivas), na segurança social, na saúde, na despesa pública… aumentem-se os impostos e canalize-se o dinheiro do contribuinte para “salvar” os bancos falidos por falcatruas premeditadas e “salvos estes” urge vendê-los aos estrangeiros por preços patéticos etc, etc… Enfim, privatizar, entregando- nos, tudo o que seja lucrativo, e eliminar, por inútil, tudo que só sirva os contribuintes portugueses, sem render. É neste contexto e visando aumentar a ordenha, que se insinua e avulta, a premência de discutir e aprovar a eutanásia: - que importa que não existam cuidados paliativos públicos e acessíveis, se mesmo sem os haver, a fase terminal e fatal das doenças, já é tão cara…Proceda-se com discernimento e abrevie-se o sofrimento do infeliz (morte digna, precoce e baratinha), se for pobre, e, se for rico, mantenhamo-lo vivo o mais possível, não obstante a melancolia dos herdeiros… Até a Santa Casa da Misericórdia investiu já, nessa outra lotaria.

Que me perdoem, os colegas defensores, a tarouquice, (se o for) se, apesar das palavras bonitas mas vagas e de sentido lato, com que enfeitam a EUTANÁSIA como: autodeterminação, dignidade, pôr fim ao sofrimento do infeliz… eu só discirno e enxergo: - “ que só viva até ao fim, quem o puder pagar”.


Talvez o safanão que o mundo vai sentir com a eleição de Trump, tenha como efeito colateral benéfico, pregar um susto a esta gentinha das elites.


João Miguel Nunes ”Rocha”

(artigo publicado na revista 175 da Ordem dos Médicos de Dezembro de 2016)